quarta-feira

Carta Para João


Caro João,

Estranho começar essa carta escrevendo como se você fosse uma pessoa qualquer.

E sim, nós sabemos que você não é uma pessoa qualquer. Afinal de contas você já foi meu. E desculpa se isso lhe soar egoísta, confesso que nesse instante não consigo me importar com o que você acha. Não que isso seja ruim. Tampouco acho que bom.

Apenas acho, e isso é mais um dos meus achismos, que você não deveria ter se rendido a minha ausência de forma tão fácil. Sinto como se tivéssemos abandonado nossa jornada antes mesmo dela começar. Sinto que meus pés não saem do chão totalmente, o que com toda certeza me impede de levantar e seguir adiante em sua direção. Talvez eu seja um pouco covarde em não assumir meus medos.

Mas assumo que tenho medo de não ser mais aquele pelo qual você se apaixonou.

Afinal, somos feitos de uma matéria que exige que as mudanças ocorram, por menores que elas sejam. Tenho medo de você não me entender quando mais uma vez eu me postar à sua frente, limpo de corpo, porém vazio de alma. Até agora, de frente para essa tela em branco, me pergunto o por quê de me separar de você.

E antes que a pergunta se faça completa em minha cabeça eu já tenho a resposta. Separei-me por que nunca estivemos juntos. Nunca consegui trazer você realmente para perto de mim. (No fim era sempre eu contra mim mesmo). E você há de continuar em meus pensamentos e ações, só que cada vez menos presente, de forma que um dia essa dor que hoje insiste em permanecer no meu peito, já não mais existirá.

Não ter você dói de uma forma que você nem pode imaginar, mas sei que essa dor é necessária para que eu seja feliz um dia.

Pois estou expurgando do meu coração o que nele habita: você. E em quantidades absurdas. Mas vai passar. Eu espero.

Seja feliz.

Do seu,

PEDRO

Nathanael


RUBEM FONSECA


Sabe o que é duas pessoas se gostarem? Éramos nós dois, eu e Maria. Sabe o que é duas pessoas perfeitamente sintonizadas? Éramos nós, eu e Maria. Meu prato predileto é arroz, feijão, couve à mineira, farofa e lingüiça frita. Imagina qual era o de Maria? Arroz, feijão, couve à mineira, farofa e lingüiça frita. Minha pedra preciosa preferida é o Rubi. O de Maria, está vendo, era também o Rubi. Número da sorte o 7, cor o Azul, dia Segunda-Feira, filme, de Faroeste, livro O Pequeno Príncipe, bebida Chope, colchão o Anatom, clube o Vasco da Gama, música o Samba, passatempo o Amor, tudo igualzinho entre eu e ela, uma maravilha.

O que nós fazíamos na cama, rapaz, não é para me gabar, mas se fosse no circo e a gente cobrasse entrada nós ficávamos ricos. Na cama nenhum casal jamais foi tomado de tamanha loucura resplandecente foi capaz da performance tão hábil, imaginativa, original, pertinaz, esplendorosa e gratificante quanto a nossa. E repetíamos várias vezes por dia. Mas não era apenas isso que nos ligava:

  • Se você não tivesse uma perna eu continuaria te amando me dizia ela.
  • Se você fosse corcunda eu não deixaria de te amar eu respondia.
  • Se você fosse surdo-mudo eu continuaria te amando, dizia ela.
  • Se você fosse vesga eu não deixaria de te amar eu respondia.
  • Se você fosse barrigudo e feio eu continuaria te amando, dizia ela. Se você fosse toda marcada de varíola eu não deixaria de te amar, eu respondia.
  • Se você fosse velho e impotente eu continuaria te amando, ela dizia.

E nós estávamos trocando essas juras quando unia vontade de ser verdadeiro bateu em mim, funda com o uma punhalada, e eu perguntei a ela, e se eu não tivesse dentes, você me amaria? e ela respondeu, se você não tivesse dentes eu continuaria te amando. Então eu tirei a minha dentadura e botei em cima da cama num gesto grave, religioso e metafísico. Ficamos os dois olhando para a dentadura em cima do lençol, até que Maria se levantou, colocou um vestido, e disse, vou comprar cigarros. Até hoje não voltou. Nathanael, me explica o que foi que aconteceu

“O amor acaba de repente? Alguns dentes míseros pedacinhos de marfim, valem tanto assim?” Odontos Silva.

terça-feira

Quadrilhas... e cirandas...

QUADRILHA

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história

CHICO BUARQUE - FLOR DA IDADE

Marcelo Jeneci - A FELICIDADE