sexta-feira

ANTES DE PARTIR


Um ROTEIRO DE THIAGO RIBEIRO

“Por quê você não foi embora enquanto ainda estava em meu coração? Agora que você habita a minha alma vai doer mais...”.


(Abre-se a cena. Estamos em um apartamento de tamanho médio, decorado humildemente, típico de um casal jovem. As ações acontecem na sala e na cozinha, que é uma cozinha básica, sem muitos enfeites, num ambiente sóbrio contrastando com as idades dos personagens. Na sala uma mesa no centro, com cigarros, chaves, um copo sujo e algumas moedas. Almofadas pelo espaço, e num canto uma pilha de jornais/revistas. Uma tv pequena se encontra ligada e sintonizada num telejornal qualquer. )


Ele se encontra sentado no chão, a cabeça entre as pernas, imóvel, acuado como se estivesse em transe. Ela está de costas para ele e de frente para a janela).

ELA – (virando para ele) Eu vou embora.

ELE – Por quê?

ELA – Por que eu quero. Por que não tenho mais pra onde ir. Eu já cheguei no meu limite aqui entre essas quatro paredes. Eu vou embora. (T) Eu vou te deixar. Eu preciso te deixar.

ELE – Pra onde você vai?

ELA – Não sei. Vou sair por aí. As melhores viagens são as que não têm destino certo. Preparei minha mala com pouca coisa. Tô levando o mínimo de bagagem possível.

ELE – Desde quando você ta planejando isso?

ELA - Você sabe... Esse sempre foi meu projeto de vida.

Ele – Com a diferença de que antes eu tava incluído nesse projeto.

Ela – (sentando na frente dele e pegando o rosto dele com as mãos) Mas agora você ta livre pra viver os seus projetos. Pra construir tudo o que você sonhou, tudo o que você sonha!

Ele – Eu não sei quais são os meus projetos. Quer dizer, eu até sei, mas todos eles estão ligados a você.

Ela – Bobagem, tudo o que se tem a fazer é cortar o que você planejou pela metade. O resultado vai ser a quantia ideal pra você. (Levanta e vai ao banheiro).

(Ele olha em volta de si, como se percebesse de repente o quão vazia era a sua vida. Vazia de tudo, de carinho, amor, bens materiais. É como se o que ele achava que era tão bom, subitamente não fosse realmente bom. Algo se quebrou.)

Ele – Quando acabou?

Ela – (Em Off) O quê?

Ele – (Fala mais alto) Quando acabou esse lance todo que a gente viveu?

Ela – (Voltando) Esse lance ridículo que os homens chamam de tolice e as mulheres de amor? (Ri) Sei lá. Eu não tenho essa resposta. Acho que ninguém nunca tem a resposta pra essa pergunta. (Séria) Mas caramba, por quê que você sempre tem que fazer essas perguntas sem sentido nas horas mais impróprias?

Ele – E quem disse que essa hora é imprópria pra saber o quê que aconteceu com a gente?

Ela – Eu to dizendo. Eu sei o que é melhor pra gente. (Pausa. Acende um cigarro) Você precisa apagar da cabeça essa imagem que você tem de mim, de folhetim do século dezoito.

Ele – O amor, ao contrário do que você pensa, não corrompe a visão que um tem do outro. Ele aprimora. (Se levanta) E o que te faz tão especial assim, a ponto de decidir o que é melhor pros outros?

Ela – Eu não sei o que é melhor para os outros. Eu sei o que é melhor pra você!

Ele – (Agressivo) Não sabe não. O melhor pra mim é estar perto de você. É compartilhar da sua vida, dos momentos mais angustiantes aos mais alegres. Eu preciso de você pra ser feliz!

Ela – (Irônica) Então eu sou realmente alguém que te faz muito feliz?

Ele – E que me faz sofrer um bom bocado também.

Ela – (Eufórica) Mas o amor não é isso? É um prazer misturado a um sofrer consciente que faz com que o indivíduo perca a razão, o sentido da vida. É por isso que dizem que o amor cega.

Ele – (Impressionado) Não lhe dói saber que quando você sair por aquela porta eu posso compartilhar das mesmas alegrias que um dia foram suas com outra pessoa?

Ela – Eu não penso nisso. Eu penso que quando eu sair por aquela porta, eu vou estar abrindo centenas de outras portas pra você. Eu tô encarando essa despedida como se fosse uma despedida de um viajante em uma cidade desconhecida sabe? Sempre prometendo voltar. Afinal, nada é definitivo nessa vida.

Ele – Eu não acredito que você tá comparando a nossa historia com um roteiro turístico. (T) Sabe quando foi que eu te perdi? No momento em que me entreguei a você como eu realmente sou. Limpo, de corpo, alma e defeitos. Foi aí que eu errei. Quebrei o encanto.

Ela – (Séria, apagando o cigarro) É esse o seu problema. Você não consegue perceber que a gente já chegou onde tinha que chegar. Já deu. É como chegar a um beco sem saída, ou melhor, onde existe uma saída, mas que só um de nós pode passar entendeu?

Ele – Entendi. Só não acho justo. Eu não acho justo você desconstruir tudo o que a gente viveu por nada. Agora eu vou ter que me contentar em ser apenas mais uma lembrança que você vai ter quando for mais velha. Eu imagino você bem velhinha abrindo um livro e encontrando uma foto nossa já amarelada pelo tempo, aí nesse momento vai passar pela sua cabeça um flash, com tudo o que a gente viveu. E quando você olhar ao seu redor e perceber que nada do que você tem é o que você sonhou pra sua vida, aí você vai lembrar de tudo o que desperdiçou. Vai querer voltar pra mim, e vai me encontrar solitário, esperando você numa casa na companhia de um bando de gatos remelentos. Que é que você acha disso?

Ela – (Rindo) Acho que você deve parar de assistir Almodóvar.

Ele – (Irritado) Por quê você não me leva a sério?

Ela – Nem você se leva a sério. Lembro como se fosse ontem, você tendo crises de riso no velório do seu avô.

Ele – (Saudoso) Ele mereceu. Nunca gostou de mim, dizia que eu era um moleque preguiçoso. No fundo era uma implicância por causa do meu pai. O velho odiava o meu pai. Nunca perdoou a minha mãe por ter casado com meu velho.

(Levanta e começa a pôr a mesa. Pega dois pratos e põe na mesa)

Ela – (Acende outro cigarro) Deve ser ruim ter uma família dividida pelo rancor assim.

Ele – Vem cá, quando você decidiu ir embora você já sabia o que ia me dizer?

Ela – Ah, eu ensaiei alguma coisa. Mas essas coisas nunca dão certo quando se tem um texto decorado. Soa falso. O melhor mesmo é você sempre ser autêntico. Garanto que dói menos.

(Ela levanta e recolhe o prato que ele colocou para ela e guarda).

Ele – Dói menos em quem diz ou em quem escuta?

(Ele volta e pega o prato novamente).

Ela – Nos dois ué. Tem coisa mais dolorosa do que você perceber que a outra pessoa está enrolada, sem saber como te dispensar?

(Ela toma o prato das mãos dele).

Ele – As vezes é por que a pessoa está insegura do que quer.

(Ele pega o prato de volta. Ela se senta conformada).

Ela –Isso pode até ser.

Ele – Levando isso em consideração, eu posso afirmar que pra você não foi nada difícil me dá um pé na bunda. Por quê você não foi embora quando eu achei que tinha você no coração? Agora que você habita minha alma vai doer mais.

Ela – Do jeito que você fala parece até que eu sou uma megera. Você tem que entender que eu só to fazendo isso por que...

Ele – (Interrompe brusco, levanta) Vai ver a culpa é minha mesmo. Sempre te supervalorizei. Acabei transformando você numa espécie de guia da minha vida. Você tinha o poder de me direcionar para tudo o que quisesse. Eu te dei o controle!

Ela – (Em tom de desafio) E quem te disse que eu queria o controle hã? Sabe que eu odeio essa forma desmedida de amor que você impõe pra mim? Eu mereço que você me odeie. Seja mais humano pombas! Será que você nunca percebeu que o que eu quero é aventura, é me jogar num abismo sem saber aonde eu vou cair? Eu não quero poder controlar a sua vida nem a de ninguém. Eu to tendo a coragem de jogar a minha aos quatro ventos. O que eu quero é ser livre. E o seu amor só me prende, ele não me libera pra amar mais nada. Nem a mim mesma.

Ele – (Saudoso) Semana que vem faz dois anos que estamos juntos. Dois anos. Vinte e quatro meses.  E agora, não mais que de repente você se vai. Não prometendo sequer, uma visita na ceia de Natal.

Ela – Eu não disse que não faria uma visita. (Misteriosa) Pode ser que eu apareça de repente.

Ele – (Ansioso) Sério? Quando?

Ela – Coisa rápida. Gente superior nunca faz visita demorada.

Ele – Você acredita mesmo nisso?

Ela – Não. (Divertida) Li na Caras. Achei bonito.

Ele - Você vai levar alguma coisa daqui? Alguma lembrança?

Ela – Todas as lembranças que eu queria eu já tenho. Todas aqui. (Aponta para o coração)

Ele – Eu falo de coisas físicas, materiais. Não vai levar nada?

Ela – Acho que não. Não quero peso na bagagem.

Ele – Leva uma foto pelo menos. Não pesa nada.

Ela – Acho melhor não. O que os olhos não vêem...

Ele – Você sabe pra onde vai?

Ela – Nada certo. Vou sair por aí sem rumo. A graça da minha viagem é justamente as incertezas do dia de amanhã.

Ele – Você bem que poderia ser menos exótica e mais clichê na hora de se despedir de mim.

Ela – Como assim clichê?

Ele – Sei lá, fingir que está muito abatida pelo fim do nosso relacionamento. Chorar, me chamar de cafajeste, atirar coisas pela janela.

Ela – Você realmente faz questão desse tipo de cena?

Ele – Eu não, mas os vizinhos esperam que isso aconteça. Eles nos olham como se esperassem que fôssemos nos atracar a qualquer momento.

Ela – E desde quando você se interessa pela opinião dos seus vizinhos?

Ele – Não me interesso. Mas pelo menos nesse quesito a gente podia ser um pouco mais normal. Briga de casal é igual a último capítulo de novela: ninguém gosta, mas todo mundo vê. E se isso aqui fosse uma novela, eu provavelmente seria aquele personagem que é passado pra trás o tempo todo e que é motivo de chacota pra Deus e o mundo.

Ela – O mocinho?

Ele – Não, o CORNO!

Ela – Que idéia!

Ele – (Desconfiado) Pintou alguém não foi?

Ela – O quê?

Ele – Apareceu um outro cara na sua vida, é isso? E aí você quer ser feliz com ele e tá sem jeito pra me contar não é?

Ela – Por quê que pra vocês homens é sempre mais fácil creditar a culpa a outra pessoa, sendo que na maioria das vezes os culpados são vocês mesmos?

Ele – E se vierem atrás de você. O que eu digo?

Ela - Diz que eu morri. O que não é nenhuma mentira. Vou morrer nessa longa viagem. Talvez eu volte um dia. Mas como uma pessoa diferente. Sem vestígios dessa que você está vendo agora.

Ele – Ainda dá tempo de desistir dessa loucura.

Ela - Você tá enganado. Não há mais tempo. Eu já perdi tempo demais. E você também. Vai viver tua vida do jeito que você achar que deve e não do jeito que escolherem pra você.

Ele – (Irônico) Pode deixar. Não vou deixar mais ninguém comandar a minha vida.

Ela – (Levanta) Bom, deixa eu ir. Ta na minha hora.

Ele – (Levantando) Quer que eu chame um táxi?

Ela – Não, não precisa. Eu chamo lá embaixo.

Ele – Não quer pelo menos jantar? Você já sai abastecida. Fiz aquela carne de panela que você adora.

Ela – (Tentada) Aí já é golpe baixo! Esse é o meu...

Ele - ...prato favorito. Principalmente se vier acompanhado de suco de uva de caixinha. Fiz tudo pra você.

Ela – Eu não sei como eu vou viver agora sem esses mimos que você faz pra mim. E agora? O que eu faço?

Ele – Fica.

Ela – Olha, a gente já conversou sobre isso...

Ele – Ta se formando uma tempestade lá fora. Fica. Pelo menos por esta noite.

Ela – (Indecisa) Tá bom. Mas só por hoje. Amanhã bem cedinho eu vou embora.

Ele – Não precisa ter pressa. Eu não vou te amarrar aqui.

Ela – Como é que tá?

Ele – (Acendendo a vela no centro da mesa) Ah, parece que vai ser uma chuva daquelas. O céu está todo escuro.

Ela – (Olhando-o nos olhos) A natureza não me interessa. O que me interessa é o homem.

Ele – (T) As pessoas vão se apaixonar novamente, o romance nunca há de morrer.

Ela – Tom Jobim. O meu...

Ele – ...favorito. É, eu sei.

(Ele vai em direção ao som e liga. Sobe a música. CONSTRUÇÃO, de CHICO BUARQUE. Começam a comer. )

                                                                                                                  
                                                                                                                FIM



  

quarta-feira

PARA O PAI QUE NUNCA TIVE, MAS QUE SEMPRE DESEJEI TER E QUEM SABE UM DIA EU SEREI.


Desde criança essa época do DIA DOS PAIS era melancólica pra mim. Fui criado pela minha mãe, sem a presença do meu pai. Na verdade só vim conhecê-lo quando eu tinha oito anos. Na minha escola, as outras crianças sempre perguntavam pelo meu pai, e eu dizia que não o conhecia, portanto, não tinha um pai. Depois que o conheci, continuei órfão. Isso por que não consegui criar um vínculo com aquele homem que abandonou a minha mãe ao saber da gravidez dela. Você saber que seu pai não queria que você nascesse é barra.

Aparentemente o perdoei por esses anos de ausência. Mas no fundo, como um bom escorpiano que eu sou, guardo uma mágoa por ter sido, de certa forma, renegado. Hoje ele é casado e tenho dois irmãos, fruto do segundo casamento dele. Então, essa época do Dia dos Pais, fico imaginando como seria o Thiago pai. Já decidi que não terei descendentes. Filhos, de jeito nenhum. Não tenho jeito para ser pai. Mas mesmo tendo toda essa certeza (e creia, eu tenho certeza!), eu as vezes fico me imaginando sendo pai. Levando meu filho na escola, ao médico, ao parque, à praia... Fico me perguntando se eu seria capaz de amar aquele filho do jeito que ele merecia. Um dos meus grandes medos é não amá-lo suficiente. Observei pais e filhos esses últimos dias. Será que eu seria um bom pai. E se eu me tornasse pai, como seria esse meu filho. Fiquei a imaginar os olhos, a boca, o rosto, o cabelo, as mãozinhas pequenininhas...

De repente eu já me vi no hospital, diante daquela parede de vidro, vendo meu filho ali, dormindo tranqüilo, horas depois de nascer. Penso nesse instante que estou ali para apresentá-lo ao mundo.

- Veja meu filho, veja meu campeão, esse é o mundo que te espera cá fora. É um mundo esperando pra ser conquistado. E você vai conquistá-lo.

Um novo salto no tempo e estou em frente à escola, a convencê-lo a entrar. Ele me diz que tem medo. Olho nos olhos dele e lhe digo que tenha coragem e enfrente esse lugar novo que vai lhe trazer coisas maravilhosas. Abro as portas de um mundo novo pra ele. Vejo um adolescendo inquieto, rebelde, com uma série de questionamentos pulsando dentro dele. Seus olhos brilham quando te entrego a tão sonhada guitarra, que será responsável por muitas das minhas futuras noites de insônia...

O telefone toca. Ouço do outro lado, sua voz ofegante: - Pai! Passei no vestibular, pai!
  

O tempo passa. Caminho apressado pelo corredor do hospital. Com minha memória já não tão boa, acabo me confundindo com esses corredores sempre iguais. Nisso, uma mão pousa no meu ombro. Quando me viro, me deparo com o rosto ansioso do meu filho, que se abre num sorriso e diz: - É menino, pai!

Meus devaneios acabam agora. Penso que talvez eu seja um bom pai. Um da, talvez, quem sabe... Mas só quando eu conseguir me livrar de muitas mágoas que eu ainda carrego, é que poderei amar um filho como eu acho que ele deve ser amado.

segunda-feira

A CRÔNICA DO AMOR INEXPLICÁVEL


PRÓLOGO INÚTIL DE UM PSEUDO-ESCRITOR
“Essa é uma pequena história de amor. Impossível falar de mulher sem se utilizar dessa pequena palavra que move o mundo muito antes da invenção da moeda. O amor incondicional, esses são sentidos apenas e totalmente pelas mulheres. Somente a mulher, no auge da sua grandeza é capaz de abdicar de si mesma por aqueles que ama. Que homem seria capaz de abandonar uma mulher mesmo estando apaixonado por outra? Nenhum homem jamais alcançará a grandeza feminina descrita tão bem por grandes pensadores. Não tão bem descritas talvez por serem estes grandes pensadores homens. A todos esses peço licença, para contar essa história, de uma mulher que amou mais do que devia. Mas que ninguém se espante, por que isto é o que elas fazem de melhor: amar incondicionalmente”.

(Sugere-se que o ambiente demonstre ser habitado por uma alma complexa. Uma leve bagunça, coisas espalhadas pelo chão. No centro uma penteadeira, onde um grande espelho se encontra disponível para compartilhar da grande angústia, ou não, da nossa protagonista. Alaíde usa o espelho como confidente, e encontra nele o seu único companheiro fiel. O que muitos classificariam como loucura, se traduz aqui como uma imensa solidão, revelada em cada detalhe do ambiente levemente melancólico. Alaíde é uma mulher bonita, mas que se esconde por detrás de uma maquiagem borrada, que demonstra ao público a frustração dela com a vida. Veste-se com uma camisola meio velha, cabelos desgrenhados, boca suja de batom, como se fosse uma sobrevivente de uma traumática noite de amor).

ALAÍDE – (Sentada em frente ao espelho) Toda eu era olhos e coração, um coração que desta vez ia sair pela boca. Acordo todas as manhãs com a sensação de que perco algo a todo instante, como se os momentos mais importantes da minha existência ficassem submersos enquanto eu emergia incompleta. (Levanta em desafio) Nasci superior, mulher, aberta e adepta aos amores que a mim foram oferecidos em diversas ocasiões, amor de pai, de mãe, de irmãos. (Saudosa) Desde cedo acreditei que minha missão nesse mundo era propiciar a felicidade àqueles que de mim se aproximassem. (Amarga e conformada) Mas com o passar dos anos percebi que eu nada mais era do que um instrumento de prazer para milhares de homens que de mim se serviam na maior crueza possível. Eram homens das mais diversas origens. Vinham até mim afoitos pela carne, ofuscados pelo desejo e vazios de emoções. Emoções que me ofereciam sem que as possuíssem. (Sensual) A todos me entreguei sem pudores. Intimamente imaginava que um ali, dentre aqueles que me possuíam, eu encontraria a parte de mim que faltava. (Resignada) Obviamente não encontrei. Acabei me ferindo cada vez mais, e mesmo com as feridas ainda abertas, prosseguia na busca desenfreada. E o pior, o pior disso tudo é que eu nem ao menos sabia o que estava buscando. (Acende um cigarro) Que irônico: presa num ciclo em que não havia possibilidade de saída. Um ciclo que eu mesma criei. Um dia, depois de muito me entregar, me apaixonei. Não foi um amor qualquer. Foi uma paixão avassaladora, dessas que só as mulheres sentem. A esse amor eu me entreguei sem pensar. A santa e a pecadora reunidas numa só cama entregues a um só corpo, unidas na dor e no desejo. Descobri naquele tempo o que era ser amada de verdade, descobri o que era a FELICIDADE! Aquele homem soube me tocar de uma forma tão intensa que eu já não me reconhecia em seus braços. Me arrepiava ao menor contato do seu toque, uma sensação de fraqueza dominava o meu corpo, e juntos atingíamos o clímax, um êxtase em que já não havia o homem e a mulher, não existíamos mais como dois e sim como se fôssemos um único corpo, como se um não pudesse existir sem o outro. Mais aí acabou. Num belo dia ele me dispensou. Fez como todos os homens fazem. Nem melhor, nem pior, muito menos diferente. Fez exatamente igual aos outros que antes dele já haviam por mim passado. Guardo na memória as últimas palavras que ele me disse: “tenho um mundo pulsando dentro de mim, e mesmo assim, mesmo conhecendo os teus anseios e tuas dúvidas, mesmo sabendo que arriscaria boa parte dos teus sonhos por mim, mesmo assim não sei se serei capaz de retribuir da maneira que você deseja. Adeus”.  Nunca mais o vi depois disso. Soube um tempo depois que havia se casado com uma outra mulher, uma dita “mulher de família”, dessas que não dão no primeiro encontro. Mas que culpa tenho eu de seguir os meus instintos? Sou menos mulher do que as tais “mulheres de família”? Eu desafio a qualquer uma que aqui se encontra a provar que no meu lugar não faria a mesma coisa. Parei de me martirizar ao descobri que todas nós mulheres buscamos a mesma coisa: amor. Irene, Arlete, Suzana, Cláudia, Alice, Maria, Laura, Joana. Não importa o nome todas caímos nessa rede de mentiras que eles tecem ao nosso redor. No fundo eu sei que sou culpada. (Safada) Me deixei envolver por uma barba por fazer e um par de braços fortes com mão enormes. Esse é o nosso grande problema. A gente sempre se impressiona com coisas pequenas. (Mais safada, fazendo alusão ao pênis) Muitas vezes realmente pequenas. Tão pequenas que nem valem a pena. No dia a dia pequenas desavenças se tornam grandes problemas.  E é graças a esses problemas que eu me encontro nesse estado. Sozinha. Viva por fora e morta por dentro. Sem a certeza do que será de mim amanhã. Apenas sei que posso perder tudo, dos sonhos aos bens materiais. A única coisa de que não abro mão, é do dom de amar novamente. Amar como somente as mulheres são capazes. (Black).

                                                                                                                                 FIM

quinta-feira

AVAREZA


Não meus caros senhores que aqui se encontram. Não me sinto à vontade para dividir o que quer que eu tenha com quem quer que seja. Divisão é uma palavra que não se encontra no meu humilde vocabulário. Tenho plena consciência daquilo que me pertence e nada nem ninguém será capaz de tirar de mim, aquilo que me foi dado de bom grado ou que por muito esforço, outrora foi conquistado. Tudo o que é meu é meu, e não dou nada a ninguém. Poupo do ar ao dinheiro, de mim não tiram nenhum vintém. Não abro a mão para nada, nem mesmo para dar tchau, sei dar valor ao que eu tenho, economizo até o sal. Não pratico a caridade, deixo isso para quem gosta de esbanjar, não tenho obrigação com mendigos, menores abandonados, ou que quer que seja. Sofro com descaso daqueles esbanjadores que desdenham da minha precaução em poupar aquilo que conquisto. Ai daqueles que por despeito me acusam de avarento, mesquinho ou até mesmo pão duro. A todos eu ignoro, não me dando o direito de gastar nem mesmo palavras para rebater tão injustas críticas. A esses que têm por hábito gastar seu tempo caluniando pessoas de bem, deixo apenas uma dose mínima do meu desprezo. Não gasto meu tempo com pequenas ninharias como religião, amizade ou até mesmo amor. Sou a favor da praticidade aliada ao bom senso. Pensem comigo: um homem sem dinheiro, mas com amizade pode chegar a algum lugar, porém terá que dividir boa parte do que conquistou com aqueles que o ajudaram a chegar ao topo. Por sua vez um homem que se esforça para chegar ao topo, e no caminho não se deixa envolver com quem quer que seja, pode até demorar para chegar lá, mas quando chegar, não haverá ninguém que venha lhe cobrar direitos. Fazer o bem sem olhar a quem poderia até dar certo caso o “quem” em questão tivesse a dignidade de retribuir com juros e correção monetária todo o investimento social e financeiro nele aplicado. Amigos, amores e Deus, são coisas que podem ficar em segundo plano. Só me apego aquilo que posso ver, tocar e de preferência, possuir. Sou fiel aquilo que tenho, ao que conquistei e ao que desejo conquistar.
  


INVEJA



Abro meus olhos e me fixo no objeto de desejo. 

Ter e não ser: eis a questão! Tenho tudo o que quero, consigo tudo que almejo, mesmo assim, sou um constante escravo de uma coisa pequenina chamada DESEJO. Tenho posses, dinheiro, carros e luxo. Porém em meu pensamento, tudo o que tenho se torna relativamente pequeno se comparado com aquilo que meu semelhante vem a ter. Esse desejo que me angustia, essa vontade que me domina, é quase um inferno em vida, Eu me esforço para ser notado aonde eu chego. Eu sou bom naquilo que faço, mas não tão bom a ponto de despertar a atenção daqueles que estão num patamar acima do meu. Estou há dez anos no mesmo emprego, no mesmo cargo e nunca, jamais, em hipótese alguma consegui me sobressair em alguma coisa. Aí eu me pergunto: por que não eu? Minha falta de sorte é tão notável que nem mesmo a deliciosa alcunha de “funcionário do mês” eu consegui abocanhar. Até aí tudo bem, se você não levar em consideração o fato de que no meu setor só tem doze funcionários. Nesse exato momento eu me resignei a encarar os fatos como eles realmente são: eu sou uma vítima constante de um destino mal traçado. Preciso aprender a conviver com esse desejo que as pessoas têm em fazer da minha vida um inferno na terra.  Me incomoda ver a ascensão daqueles a quem julgo serem menores do que eu. Só de imaginar que alguém se apossou de alguma coisa que estava destinada a ser minha, meus instintos fervem. Desejo tudo o que eu mereço e ninguém mais tem o direito de ter aquilo que por ventura é meu. A insônia me acompanha nas noites em que me vejo a desejar aquilo que é do outro. Desejo com uma fúria alucinante, como se mil serpentes me açoitassem e com um furor desmedido, como se meu corpo ardesse feito um vulcão em fúria. Um desejo bestial, uma sede em adquirir o que é do outro, sabendo intimamente que o bem desejado, seria muito melhor aproveitado por mim. Sofro com essa loucura mórbida que se estende por cada parte do meu ser. O desejo que cresce e que me acompanha aonde quer que eu vá, esteja onde estiver. Fixo meus olhos em algo, ou alguém, e imediatamente sei que aquilo não deve existir caso não me pertença ou esteja subjugada a mim

VAIDADE



Oi! Talvez você não me conheça. Mas é bem possível que já tenha escutado sobre mim.

Aliás, acho bem difícil que você não tenha ainda se descoberto encantada com meus atributos. Afinal, um exemplar da espécie humana como eu não é encontrado em qualquer lugar. Eu sempre tive consciência do meu papel na sociedade. Vim ao mundo para trazer mais beleza para ele. Trago comigo o desejo de ser cada vez melhor em tudo o que me proponho fazer. Nem preciso me esforçar para ter dos outros aquilo que quero. Um olhar, um gesto e todos caem aos meus pés. Mulheres, homens, velhos e crianças. Todos se rendem ao meu charme inigualável. Sei que tenho poder. O poder de ser quem eu quiser e de ter quem também me queira, ou seja: noventa por cento da população dessa cidade. Gritos histéricos, chantagens emocionais, a tudo sou submetido, como uma espécie de castigo por ser quem eu sou. Eu sou o pecado mais formal, eu sou o alvo do desejo de todos os mortais. Tenho tudo o que lhe falta. Sou o seu complemento em todos os sentidos. Sou senhor soberano e absoluto das tuas verdades, trago desenhado em meu peito a rota dos teus desejos. Aos que me desdenham, resta-me apenas um sorriso de canto de boca. Meus perfeitos lábios desenham em minha bela face a expressão de satisfação por ver em seu rosto, a vontade de me possuir, de me levar para casa. De fazer do meu corpo e da minha alma insensível   Um refúgio para tuas dúvidas e anseios. Não vivo neste mundo para ser servido e sim, para servir. Sirvo de alento para as inquietações da alma dos pobres seres que se debatem pela minha presença, que lutam entre si para conseguir um décimo da minha atenção. Sei que estou acima de todos eles. Por isso mesmo, tenho o dever de deixá-los usufruir de mim da maneira que eles, pobres mortais, acharem correta. Nunca estarei satisfeito, jamais me darei por vencido. Se sou o melhor, mereço receber o melhor daqueles que me cercam. Não tenho culpa de ser assim, se sou do jeito que sou, é por que necessito servir para alguma coisa. E sirvo para tudo: dos desiludidos aos desesperados, dos carentes afetivos ou até os abandonados.  Sirvo para quem não tem esperança, despertando nesses pobres coitados a esperança de me possuir. Sou uma alma indomável, amado, invejado, odiado ou admirado, porém jamais ignorado. Não me importo de ser assim, assim serei até morrer, apenas peço aos que me julgam sem me conhecer, que me conheçam por extenso, antes de dar o seu parecer, pois afinal sou o melhor em tudo, eu sou o tal, muito prazer!

LUXÚRIA


Uma vítima! É isso que sou, uma eterna vítima dos meus desejos, instintos que muitas vezes me levam a cometer verdadeiras insanidades.  Sou senhor daquilo que acredito, e eu acredito fielmente que todos nós devemos amar sem limites. Não aquele amor que escraviza, domina e que faz de todos os seres humanos capachos patéticos da vontade do outro.  Por isso sou extremamente voraz em todos os meus caprichos. Sabe, já fui muito puritana, a ponto de acreditar que um dia receberia minha recompensa assim que chegasse no céu. Pouco tempo depois, descobri que há meios muito melhores para se chegar até lá. Sou capaz de tudo para manter meu desejo aceso e saciado, não me preocupando se o que vem seja quantidade ou qualidade. Nessa vida há de se experimentar de tudo e com todos. Somos preparados desde o início para conviver com o prazer e a volúpia, mesmo que indiretamente.  Prazer que está enraizado nas vontades mais obscuras do ser humano:

Incesto, masoquismo, fetichismo, masturbação: AMOR LIVRE!

Uso meu corpo como uma extensão para tudo o que eu desejo. Me dobro, me jogo, me atiro sem esperar uma rede de proteção. Sou uma eterna adoradora da lascívia e da sensualidade. Corpos nus se estendem sobre a cama, num eterno vai e vem, em que se atritam e se rendem a um gozo de múltiplas sensações. Sei que sou julgado, condenado e constantemente apedrejado por aqueles que, por inveja ou por medo, quem sabe, não se rendem aos seus desejos.  Eu sou a vergonha dos olhos das donas de casa, eu sou o olhar da beata fanática, eu sou o seu desejo escondido e renegado. Eu sou a luxúria, nascida dentre a paixão, que se transforma em ira quando insatisfeita. Eu sou insaciável, passiva como um anjo, ou indomável como um demônio. Eu sou a porta de acesso ao um mundo obscuro. Te conduzo por caminhos tortuosos, mas inegavelmente excitantes, faço você se render aquilo que você mais teme. Ah, como me acalenta a alma feito um bálsamo esse teu jeito assustado perante meus devaneios. Meu corpo anseia pelo complemento do seu. O ofegar da sua respiração faz com que eu perca a noção de tempo e espaço. Sou seu refém! Prenda-me com seus olhos, morde-me com tua boca ávida pela minha pele. Sente o gosto do meu beijo, o calor dos meus delírios, o desejo estampado nos meus olhos. Coma-me com teus olhos sedentos.

Rasga minhas vestes como fossem feitas de papel!

Papel que eu utilizo para descrever em detalhes toda minha volúpia por este momento tão esperado. Cavalgo pelo teu corpo como uma amazona na fúria da batalha. Sinto teu gosto de fera na minha boca que se abre para receber mais uma parte de ti. Adentra-me com tamanha sede que sou capaz de visualizar um oásis em meio ao deserto dos meus desejos.  Conduzo-te a um vale de sensações, em que o medo e a dúvida já se dissolveram. Aos poucos vou perdendo a noção da realidade, nossos corpos já não podem ser distinguidos separadamente, co-habitamos um ao outro numa simbiose perfeita. Nosso ritmo se perde da mesma forma como perdemos a consciência. O toque dos meus dedos em seu corpo estendido te traz de volta a realidade. E com ela, a sensação de dever cumprido. 


Deixais se dominar pelas paixões ó homens de pouca fé!

terça-feira

O MEDO


Hoje me perguntaram do que eu tinha medo. Fiquei paralisado. Do quê que eu tinha medo. Ou melhor, do quê eu tenho medo? Não faço a menor idéia. Aliás, tenho sim espera um instante, me deixa pensar...

Eu tenho medo da morte. Assim, tenho medo de perder as pessoas que eu amo. Tenho medo que a morte as leve. Tenho medo de repente não poder fazer uma coisa simples como pegar um telefone pra dizer: - Oi mãe!

Tenho medo de não dar certo na profissão que eu escolhi. Sei lá, ficar taxado de fracassado, das pessoas que apostaram em mim, olharem desapontados com o resultado que eu obtive!

O medo paralisa tanto. Ele bloqueia muitas das nossas ações. Sentir medo apesar de ser profundamente aceitável e humano (afinal de contas ainda somos humanos né?) é motivo de vergonha pra algumas pessoas. E isso inclui a mim, que tenho medo de coisas absurdas como, por exemplo, (vou acabar com a minha reputação!) filmes do Chuck, o brinquedo assassino. Tenho pavor daquele bonequinho. Tenho medo praia deserta, assim como morro de medo de tomar banho de mar à noite. Tenho medo de viajar de noite, tenho medo de água em excesso (o que não impede de você colocar um cruzeiro máster chique no meu destino, viu Deus?), tenho medo de filmes de terror e até de suspense. Tenho medo de lagartos. Tenho medo da Joelma da banda Calypso. Tá gente esse último é sacanagem, adoro a Joelma (acelerou, acelerou, acelerou meu coração...).

Já perdi as contas das vezes que eu deixei de fazer alguma coisa por conta de um medo. Sabe que agora eu ando pensando que as vezes esse medo serve como uma espécie de alerta. Às vezes o medo é o nosso anjo da guarda dizendo: - Olha só o que pode te acontecer se você continuar insistindo nessa bobagem!

Por isso agora já me decidi: vou continuar tendo medo. Sentir medo, e melhor, assumir que sente medo não faz de você mais fraco que ninguém. Muito pelo contrário. Você demonstra o quão forte é, quando admite as próprias fraquezas.

(Lindo isso não foi? Arrasei!).

Cada vez que consigo vencer um desses monstros do medo que vivem dentro de mim, é como se eu provasse pra mim mesmo, que por mais que o mundo me diga o contrario, eu sou capaz sim de ir cada vez mais além. Além dos meus medos, além dos meus desejos, além das barreiras que o mundo insiste em colocar no meu caminho. E se eu posso ir além, acredite, VOCÊ TAMBÉM PODE! Vença seus medos e seja feliz!