quinta-feira

Talvez Para Sempre



16:40 - Saguão do aeroporto. Uma chuva torrencial cai fora. Ana caminha apressada empurrando um carrinho cheio de malas. Olha para todos os lados procurando a sua plataforma de embarque. Olha o bilhete da passagem e confere os números. Tudo parece estar ok. Ela segue em direção ao guichê. Para na fila. E ali, sem ter nada para fazer, ela começa a repensar toda a sua vida. Todas as suas escolhas, todas as coisas boas que vivera e tudo o que ainda estava pra viver. Percebe que uma das malas estava prestes a cair e estira o braço para mudá-la de posição e ao fazer isso seus olhos pousam na aliança em sua mão esquerda. Ficou a contemplá-la, absorvida em lembranças. De repente, assusta-se com o toque do celular, que vibra em sua bolsa. Ao olhar no visor do aparelho, não deixar de expressar sua surpresa e alegria. Quase de imediato atende.

Ana Alô!
Ariel Oi.
Ana Oi.
Ariel Tudo bem?
AnaTudo.
Ariel E então?
Ana - Então o quê?
Ariel – Eu quero saber como é que a gente fica.
Ana Sobre o quê você está falando?
Ariel Você sabe, Ana. Eu tô falando da gente.
Ana Eu pensei que a gente já tivesse conversado sobre esse assunto.

Nesse momento ela repara que tinha chegado sua vez. Ela deposita suas malas na esteira e espera a funcionária entregar o comprovante.

Ariel(Insiste) Como é que a gente fica?
Ana(Vencida) Ah, a gente fica como está. Cada um na sua.
Ariel Eu não sei se eu consigo. Eu não tô preparado pra isso.
Ana A gente nunca está. Mas não se pode fazer nada. Só aceitar.

Ele fica mudo na linha.

Ana Ariel? Ariel? Você ainda tá aí?
Ariel Eu não quero aceitar. Eu te amo.

Ana se dirige à plataforma de embarque. A voz no auto-falante anunciava seu embarque para dali a alguns instantes.

Ana Eu preciso desligar.
Ariel Eu te amo.
AnaO meu vôo sai já sair.
Ariel Você ouviu o que eu disse?
Ana E do quê que isso me adianta? Amar ou não amar não muda os fatos. Eu também preciso realizar os meus sonhos. Eu não posso ser feliz me sentindo incompleta.
Ariel Eu preciso ficar com você. E eu preciso que você queira estar comigo.
Ana Mas eu quis estar com você. Eu ainda quero. E mais do que isso, eu quis construir minha vida do seu lado. Teve um momento que eu achei que não era possível ser feliz sem você. E era uma sensação boa. Estranha, eu confesso, mas mesmo assim era bom imaginar que você me amava com tanta intensidade.
Ariel Mas então...
Ana (Interrompe) – Me escuta! Me ouve! Pelo menos dessa vez me ouve. Para de ouvir o seu coração pelo menos uma vez e dá ouvidos à razão.
Ariel Eu não preciso me afastar de você. Eu preciso de você perto de mim. Será que é tão difícil de entender assim?
Ana Eu entendo. Entendo mais do que você imagina. Mas eu preciso viver outras coisas. Eu queria que você estivesse comigo. Mas eu sei que é uma escolha muito difícil de se fazer. Não é todo mundo que tem essa coragem de abandonar tudo o que têm e sair sem destino. Eu não te culpo por isso. Talvez a maluca seja eu.
Ariel Fica! Fica comigo, por favor!
Ana Agora é tarde. Não dá mais. Eu já fiz minha escolha. E parece que você já fez a sua.
Ariel Então não tem mais jeito?
Ana Não. Não dá mais.
Ariel Isso é um adeus?
Ana Um até breve.

Ana sente que a voz estava começando a ficar embargada. Resolve encerrar a ligação antes que fique mais difícil.

Ana Eu tenho que ir.
Ariel Me leva com você!
Ana Eu já te expliquei...
Ariel(interrompe) Não, eu tô falando sério. Eu vou com você.
Ana Isso não é hora pra brincadeiras, Ariel.
Ariel E quem disse que eu estou brincando? Olha pra trás.
AnaO quê?
ArielOlha pra trás de você!

Ana um giro de noventa graus e fica cara a cara com Ariel diante dela. Ensopado, com uma mala nas mãos e com os olhos vermelhos, denunciando que ele havia chorado.

ArielEu não sei viver sem você. Eu não consigo me imaginar vivendo num mundo onde você não habite.
Ana Mas você vai abandonar tudo pra vir comigo?
Ariel Eu não estou abandonando tudo. Por que tudo o que eu tenho é você. O resto são apenas detalhes.

Ana se joga nos braços de Ariel e beija-o ternamente. Agora sua felicidade estaria completa. E dessa vez, pra sempre.

terça-feira

Melancolia




Sabe aqueles momentos em que você se pega pensando no que realmente vale a pena na sua vida? Eu penso. E o grande problema disso é pensar tanto e no fim das contas concluir que no fundo nada vale a pena. correr grandes riscos é que vale a pena. Ou não.


PERSONAGENS:

RAQUEL – TÉO - LUISA - JOÃO

(Luz acende. Estão os quatro espalhados pelo espaço. Sem móveis. O ambiente é um apartamento quase vazio. Téo observa lá fora pela janela. Raquel está sentada brincando com um isqueiro, acendendo e apagando repetidas vezes. João deitado no colo de Luisa).

João – E o dia se foi. Ou melhor, mais um dia se foi. E nada de importante aconteceu. O dia vai terminar da mesma forma que começou...

Luisa – E poderia ter sido diferente?

Téo - Nós poderíamos ter feito alguma coisa que valesse a pena...

João - Eu não consigo imaginar nada que valha a pena nesse momento.

Raquel – Sempre se pode fazer alguma coisa.

João – Fazer o quê? Eu não tenho a menor vontade de fazer o que quer que seja.

Luisa – Não fazer nada também é fazer alguma coisa.

Raquel – Agora não dá mais tempo. Daqui a alguns minutos já vai ser meia noite. E de acordo com a tradição capitalista-socialista-sonhadora, é o momento exato de se fazer um pedido ao universo. (T) Se vocês pudessem fazer um pedido agora, o que é que vocês pediriam?

Luisa – Uma viagem. Paris.

Téo – Cigarros.

João – Um óbito decente!

Raquel – O quê?

João – Um óbito decente. Eu ia pedir pra morrer agora, nesse exato instante.

Luisa – Que bobagem. Que graça tem em pedir uma coisa que vai acontecer mais cedo ou mais tarde?

João – Mas eu não quero uma morte qualquer. Eu quero uma morte sem dor, sem sofrimento. De sofrimento já basta o que eu tive até aqui. (T) Você toparia morrer comigo?

Luisa – E por que eu morreria com você?

João – Sei lá. Por que a sua vida tá uma bosta igual a minha. Aliás, a nossa vida sempre foi uma bosta, nunca foi grande coisa. Pra gente como nós a única solução é morrer antes que a coisa fique preta de verdade.

Luisa – Eu não quero morrer, João. Pelo menos não agora. (T) E você, Raquel? O que é que você pediria?

Raquel – Não faço a menor idéia. A hipótese de ganhar alguma coisa de uma forma tão fácil já me faz ficar sem saber o que pedir. Na dúvida talvez eu pedisse o que toda mulher pediria numa situação dessas.

Luisa – Um namorado?

Raquel – Não. Sapatos. (As duas riem)

Téo – (observa fora) Vocês já prestaram atenção na quantidade de gente que circula por essas ruas quando a noite cai? Uma multidão que caminha solitária enquanto a grande maioria dorme. (Acende um cigarro). Pra onde será que toda essa gente vai, heim? Sabe que eu fico olhando essas janelas desses prédios, aí eu escolho uma e crio uma história. Eu gosto de imaginar quem é a pessoa que mora ali, o que ela faz, se é casada, se tem filhos, se mora sozinha. Se é feliz.

Raquel – (acende uma vela no chão) Sozinhas elas sempre são. Felizes talvez. Muitas são sozinhas mesmo quando estão rodeadas de um monte de gente. E ainda assim surpreendentemente algumas são felizes.

João - Pensa melhor, Lu. Olha a tua volta. Não tem pra onde correr. A gente chegou no fim da linha.

(Luisa se levanta e vai em direção a Téo que continua olhando lá fora).

Luisa – Que é que você tanto olha lá em baixo?

Téo – To olhando o nada. O nada e o tudo ao mesmo tempo.

Luisa – E como é que se faz isso?

Téo – É só você olhar um pouco além do que os seus olhos mostram. Um pouco além do óbvio.

Luisa – Continuo sem entender.

Téo – Esquece. É preciso anos de treinamento pra conseguir olhar além dessa paisagem cinza.

RaquelEu confesso que durante muito tempo eu tive medo dessa cidade. Sabe, um medo de ser engolida por ela. Medo de não conseguir ir em frente. Medo, apenas. (Apaga a vela).

João – Medo de quê?

Raquel – Do que eu poderia descobrir aqui. De descobrir que as coisas não são fáceis.

Luisa – Mas pra saber disso nem é preciso de treinamento. Nada nunca é fácil pra ninguém. Nunca é.

Raquel – Eu sei. Mas mesmo assim, a gente sempre acha que com a gente a coisa vai ser diferente. Vai ter uma pitada de romantismo. Essa babaquice toda de esperança que a gente vê no cinema e se ilude achando que na vida real acontece.

Téo – Sabe o que mais me intriga? É que essa gente que ta lá embaixo não existe mais. Você olha pra expressão de cada uma dessas pessoas e é como se você estivesse vendo sempre o mesmo rosto. E assim, dia após dia elas seguem em frente. Seguem apenas por seguir. Mecanicamente.

JoãoE eles têm escolha? Ou tu segue em frente ou então se mata! (Para Luísa) O que não é uma idéia.

LuisaEngraçado. Comigo foi diferente. Quando eu cheguei aqui eu me senti desafiada por esse mundo obscuro, sabe? (Feroz) Era como se uma força puxasse de mim uma vontade de brigar, de mostrar quem eu sou, que eu vim pra alguma coisa. A cidade me desafiava de uma forma que me obrigava a viver tudo com uma intensidade que ao invés de me assustar fazia com que eu desejasse cada vez mais estar aqui, vivenciando tudo o que eu vivia. (Caindo em si) Foi por isso que eu vim parar aqui. Vivenciei demais a coisa toda. (Todos riem).

João – Morre comigo?

RaquelEu sei o que você ta sentindo. É uma dor que no peito. Uma dor que não dói tanto fisicamente. Mas é como se te dessem a todo instante um tiro na alma. (Acende um cigarro) Eu sinto isso tanto tempo. (T) Acabei me dando conta de que eu nunca fui feliz.

JoãoNinguém é feliz. (Gritando) Ninguém é feliz nessa cidade de merda!! (Agarra Raquel) Morre comigo? Morre comigo? Morre comigo, porra!

(Ele começa gritando com Raquel, até que Luisa o puxa para si e aos poucos os dois vão caindo. João termina por aninhar-se no colo de Luisa, que passa a mão pelos seus cabelos, mas sempre com os olhos apáticos, sem brilho, como se não o enxergasse, num gesto visivelmente mecânico).

RaquelEu vou sair. Eu preciso de ar, respirar ar puro. (Ri irônica) Como se isso fosse possível. (Para Téo) Me faz companhia?

Téo – Não sei se sou a companhia que você procura.

Raquel – Pode até não ser é a que eu procuro. Mas no momento é a que eu preciso.

João – Lu?

Luisa – Fala.

João – Me dá um cigarro?


Black

Cotidiano


- Alô?
- Alô! Boa tarde! Gostaria de falar com a senhora Odete da Silva Barbosa. Ela se encontra?
- Depende.
- Depende de quê?
- Depende de quem a procura.
- Quem procura obviamente sou eu.
- E você é mais alguma coisa além de um “eu”?
- Sou a oportunidade que a senhora esperava pra mudar de vida. A senhora estaria interessada?
- Hum. Muito me interessa mudar de vida. Você pode me oferecer isso?
- Isso e muito, muito, muito mais.
- Olha que assim que fico sem jeito.
- Sem jeito por que?
- Um sujeito que liga assim para a casa dos outros, e vem com essa conversinha com uma mulher desconhecida...
- Mas a senhora não é desconhecida. Pelo contrário. Sei de exatamente cada detalhe da sua vida.
- Jura?
- Absolutamente. Sei coisas que deixariam qualquer um de queixo caído.
- Ora, assim começo a ficar sem jeito. O que saberia o senhor sobre mim que deixaria os outros abismados?
- Coisas sujas!
- Não diga!
- Coisas pérfidas!
- Mentira!
- Coisas absurdas!
- Oxente! Conte de uma vez, criatura!
- Pra quê apressar as coisas? Antes me deixe informá-la das opções de negócios que poderemos efetuar juntos.
- Ora, mas eu não disse que topo.
- Topas?
- Topo!
- Preciso apenas fazer uma pergunta para efetuar nosso negócio! Preparada?
- Ahhh, não sei.
- Coisa rápida.
- Ah, ta bom.
- Eu quero saber... sua data de nascimento!!
- Ah é isso? E pra quê?
- Quero saber se a senhora tem o perfil do nosso negócio.
- Hum. Sei. Meu aniversário é 18 de março de 1978.
- Ok.
- E então?
- Então dona Odete. Infelizmente não poderemos concluir nosso negócio.
- Ué, por que?
- Por que consta no nosso sistema que a senhora não anda em dia com suas responsabilidades financeiras!
- Como assim, gente?
- A senhora não esteve ciente de suas obrigações!
- Continuo boiando!
- A senhora está suja na praça!
- Na praça? Como se eu to na cozinha de casa?
- Quero dizer que a senhora está com o nome sujo no Serviço de Proteção ao Crédito, vulgo SPC. E que não poderá comprar nem um quilo de sal na mercearia se não tiver dinheiro em mãos. Tudo isso por negligenciar contas atrasadas. Sabe como chamamos isso?
- Engano?
- Não! Trambique!
- Eu não sou trambiqueira!
- Não é o que diz seu histórico de devedora, dona Odete!
- Pois que seja, mas não tenho como pagar.
- Eu tenho uma sugestão!
- Diga!
- A senhora me presta um servicinho e aí ficamos quites.
- Que tipo de servicinho?
- Quer mesmo que eu responda?
- Acho melhor não.
- Eu também acho. Aliás, prefiro mostrar. Jantar hoje a noite?
- Na minha casa ou na sua?
- Na nossa! Meu amor! Te amo pururuquinha!
- Pururuquinha? Pôxa Oswaldir! Assim você acaba com toda a fantasia do negócio! Broxei.
- Mas também heim mulher, tanto tipo de gente pra tu ter fetiche e tu vai se interessar justo por um telemarketing! É dose.


FIM