terça-feira


Entre formigas, viagens e pirlimpimpim.

Junte um grupo de crianças mal crescidas, uma vontade intensa de aprender e o brincar que se apresenta de diversas formas. Essa receita resulta na criação de pequenos espetáculos cênicos, que semanalmente são apresentados pelo Módulo III de Licenciatura. Começo esse texto chamando esses jovens educandos de crianças, por quê é assim que eu os vejo. Caçamos incansáveis formigas em seu ininterrupto caminhar durante uma segunda feira de sol ameno. O interlocutor aqui presente também teve seu momento de observação, mantendo com a intrépida formiga uma relação um tanto quanto exótica. Selma, a formiga observada por este que vos fala, tinha o estranho hábito de querer se comunicar com outros seres. Principalmente aqueles estranhos que, grandes como imensas hastes de girassóis, passavam por seu formigueiro a todo instante, por vezes destruindo pequenas reservas de gravetos que por horas foram arrumadas pelas incansáveis criaturas.

Não há de ser preciso ser grande filósofo ou um homem de grande prestígio acadêmico para perceber que Selam sofria com o descaso das suas semelhantes. Ressentia-se por não poder se comunicar com aqueles seres que tanto admirava. E nos seus devaneios de jovem saúva, perdia-se a imaginar o que faria caso um dia um humano parasse para ouvir uma das suas conversas. Naquela segunda feira, quando notou se observada por aquele humano de cabelos enormes, pôs se a andar em círculos. Queria que ele entendesse o que ela dizia. Ele, ao contrário, parecia observar sem nenhum interesse mais amoroso o que ela fazia. Anotava as ações de Selma, com um desinteresse que ofendia a moral da pobre formiga, que indignada, mordeu-lhe a ponta do pé seguiu seu caminho. Saiu a buscar uma criança, dessas que ainda entendem a língua das saúvas.

UMA VIAGEM... VÁRIOS DESTINOS

Uma mochila é capaz de levar em seu interior um mundo. Um mundo pertencente àquele que a carrega. Ou não. Aquela mochila era minha. Era do menino que um dia eu fui. Da criança que eu acho que ainda vive dentro de mim. Cada parte da minha vida se encontra representada naqueles objetos. Insisto em forçar a memória para que os menores detalhes não se apaguem, já que sabemos que o Diabo mora nos detalhes.  Eu sou oriundo de uma cidade pequena. De uma cidade pequena, mas com uma alma enorme, dessas almas que de tão grande conseguem carregar dentro de si uma alma em forma de algodão doce.  Dessas cidades que trazem a poesia estampada em cada rosto.  Aquele menino que viajava com o tio para algum lugar que não sabemos onde, ele levou um pedaço de mim. Na verdade vou um pouco mais longe: ele é um pedaço de mim. Cest fini.

UM POUCO DE PÓ: DO PÓ VIEMOS, AO PÓ VOLTAREMOS (?).

Olhei pra Lorena com olhos interrogativos. Sua resposta foi pegar um pouco de pó e passar em si mesma, como se me encorajando a fazer o mesmo. Perdi o medo e fui adiante, passando aquele pó em seu corpo. Já não era mais a farinha de trigo da aula de montagem didática. Era uma areia fina, areia de deserto, areia que queima a pele, que corta, areia que machuca. Areia. Pura e simplesmente areia. Ao som de Coldplay, fechei os olhos e me entreguei àquela aula. Gostei mesmo. Foi muito bom, consegui um nível de interação com Lorena em poucos minutos, o que não é tão comum.  Sai todo sujo, mas feliz. Faria tudo de novo. Momentos depois inverti os papéis. Fui observar o grupo seguinte. Detive-me em Isis, Cleidenara e Dominique. Detalhe: acompanhei a cena dos três como se estivesse numa sessão de cinema. Os três pareciam crianças, livres ao brincar com o pó. Surgiu uma pequena dramaturgia, que contagiou os espectadores. Eles também se jogaram no trabalho. Estavam absortos. Essa foi particularmente minha aula favorita. Foi muito bom improvisar, me fechar na sala escura e fria (sala 5) e transformar aquele pó em poesia.

O GRAMOFONE

A aula mais recente de montagem didática foi à aula do Gramofone. Inspirados por um texto de Manoel de Barros trabalhamos em grupo, na construção subjetiva de um vovô, de uma árvore, de um gramofone. Não foi fácil. Fizemos a improvisação, mas pela primeira vez não me senti à vontade, aliás, não consegui ver beleza naquele trabalho. Sou um pouco doido, costumo ver poesia onde não há, ou pode ser até que seja o oposto, pode ser que eu veja poesia onde mais ninguém ver. Como essa segunda opção é muito narcisista fico com a primeira. Mas eu não consegui ver a poesia daquela improvisação. No outro dia, a surpresa: as fotos da apresentação me surpreenderam. A poesia estava ali, naquelas imagens, super presentes. Eu não senti a poesia, mas eu era parte dela.

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