Personagens:
ALICE
DANIEL
“eu quero que você saiba que mesmo que meus olhos não sejam capazes de distinguir seu rosto, eu sou capaz de enxergar dentro de você com os olhos do meu coração”.
(Abre-se a cortina ou acende-se a luz. Papéis espalhados pelo chão. Não são papéis comuns, são cartas, cartas de que contam histórias que deveriam ter sido esquecidas. Alice e Daniel estão sentados no chão, em cima da pilha de cartas, um de cada lado, de frente para a platéia).
DANIEL – Essa é uma história de amor.
ALICE – História de amor que aconteceu no verão passado.
DANIEL – Numa dessas tardes em que as crianças correm endiabradas pelos parques da cidade.
ALICE – Os mesmos parques que servem de cenário para namoros de jovens apaixonados.
DANIEL – Foi naquele parque que eu a vi passar pela primeira vez. Era outono. Ela passava graciosa como uma folha ao sabor do vento. Linda, mas era uma menina apenas.
ALICE – Notei que ele observava atentamente todos os meus movimentos. Quando percebeu que eu também o observava, disfarçou fingindo que escrevia alguma coisa numa pilha de papéis que ele trazia debaixo do braço.
DANIEL – Escrevi letras vagas naqueles papéis, enquanto fingia estar distraído, para que ela não se percebesse observada, mas já era tarde.
ALICE E DANIEL (JUNTOS) – Tive a sensação de que perdi alguma coisa naquele momento. Mas o quê?
DANIEL (Levanta e pega uma carta no chão) – Não sei o que perdi naquela tarde, mas descobri naquele instante que nada que eu fizesse poderia trazer de volta o que eu tinha perdido.
ALICE – No inverno busquei dentro de mim uma resposta para aquele vazio que sentia. Era como se de repente, alguém tivesse me tirado algo que eu sempre tive, mas que nunca me dei conta que estava ali.
DANIEL – Escrevi numa carta tudo o que eu sentia. E lhe mandei. Me perguntei se ela receberia.
ALICE – Recebi a carta.
DANIEL – Com certeza riria.
ALICE – Suas palavras me tocaram fundo!
DANIEL – Certamente acharia que sou um louco...
ALICE – Um poeta!
DANIEL – E se afastaria de mim e das minhas lembranças...
ALICE – Quero ser sua.
(os dois olham-se frente a frente. Estendem as mãos e quando estão prestes a se tocar, ele desiste).
DANIEL – No último minuto eu desisti. Fui um covarde.
ALICE – Não compareceu ao nosso encontro.
DANIEL – Duvidei que ela realmente iria...
ALICE – Pus meu melhor vestido.
DANIEL – Ao mesmo tempo tive medo que eu não preenchesse as suas expectativas.
ALICE – Estava ansiosa para conhecê-lo melhor!
DANIEL – E se não fosse eu quem ela realmente queria?
ALICE – Era ele que eu queria.
DANIEL E ALICE (juntos) – Eu quero você!
ALICE – Decidi que iria surpreendê-lo um dia no parque. E foi o que fiz.
(A luz abaixa, e Daniel está sentado num banco, escrevendo uma carta. Alice chega e senta ao seu lado).
DANIEL - A presença dela naquele banco de praça me deixou sem ação. Mal tive forças para continuar a escrever o verso que com toda certeza eu lhe enviaria depois. Deixei cair o lápis.
ALICE – Peguei o lápis que caíra no chão e lhe entreguei, forçando assim que ele me olhasse nos olhos, o que fazia pela primeira vez.
DANIEL - Não tive coragem de lhe dizer nada, entreguei-lhe o verso incompleto que havia escrito.
ALICE – Me estendeu a mão, peguei o papel e notei que tremia.
DANIEL – Frio.
ALICE – Nervoso. Olhei fundo nos seus olhos e decidi ir embora. Ir para nunca mais voltar.
(Alice levanta do banco e faz menção de ir embora. Daniel levanta.)
DANIEL – Não gostou do verso?
ALICE – Gostei.
DANIEL – Então por que vai embora?
ALICE - Por que eu te amo.
DANIEL – Se me ama por que vai sem ao menos provar do meu amor?
ALICE – Para que você possa me esperar. Para que eu seja sua no momento certo, quando a idade for propícia, quanto a estação não for mais o verão, quando a primavera florescer nesse jardim, eu estarei de volta.
DANIEL – Mas até lá...
ALICE – Até lá eu me contento em ler suas palavras...
DANIEL – Eu te escrevo...
ALICE - ... todos os dias....
DANIEL - ... em todas as estações...
DANIEL E ALICE (juntos) – Até que as árvores floresçam novamente...
DANIEL – Descobri o que tinha perdido naquela primeira tarde de verão. Perdi a capacidade de amar com cautela.
ALICE – Descobri que por mais que eu resistisse...
DANIEL - ... por mais que eu insistisse em negar...
ALICE - ... por mais que o mundo me mostrasse o contrário...
ALICE E DANIEL (juntos) – EU AMO VOCÊ!
DANIEL – Eu jamais poderia te deixar...
ALICE - Mas deixou. Me trocou por um punhado de cartas.
DANIEL – Na estação seguinte, quando a primavera a trouxe de volta, eu já não estava mais lá. Tinha ido embora. Eu a deixei. Mas deixei as cartas que escrevi.
ALICE – Não. Cartas para alguém que não existe. Não tive um final feliz.
DANIEL – As verdadeiras histórias de amor são privadas de um final feliz...
SOBE A MÚSICA: BANDOLINS, OSWALDO MONTENEGRO. BLACK.
FIM