ENTREVISTA – LETÍCIA DORNELLES
Ela é uma das minhas autoras favoritas de novelas. Escreveu a versão brasileira da novela AMIGAS E RIVAIS (2006), a melhor novela já produzida pelo SBT. Atualmente escreve para o programa Show do Tom, na Record. Letícia Dornelles é uma grande escritora, que não tem papas na língua. Seus posts ácidos e sinceros são um show à parte no Twitter. Abaixo vai uma entrevista que tive o prazer de fazer com essa grande mulher e escritora.
01 - LETÍCIA, COMO FOI O INÍCIO DA SUA CARREIRA? COMO VOCÊ DESCOBRIU QUE TINHA TALENTO E QUE QUERIA SER ESCRITORA / ROTEIRISTA? QUAIS AS SUAS INFLUÊNCIAS NA ÁREA LITERÁRIA?
Sou jornalista. Trabalhei alguns anos em TV como repórter e apresentadora antes de optar pela ficção. Quis dar um novo rumo à minha carreira, ampliar meus horizontes profissionais. Não me importava muito em abandonar o vídeo. Não tenho esse tipo de vaidade. A experiência como jornalista me ajudou no trabalho de escritora. É preciso conhecer o mundo, as pessoas, saber observar, para poder falar sobre isso. A experiência profissional somada à experiência de vida molda o escritor. Li um anúncio de jornal convidando novatos a enviarem um roteiro para concorrer a uma vaga na Oficina de Autor da Globo. Eu escrevia poesias esporadicamente. Mas nunca havia escrito um roteiro, nem tinha feito qualquer tipo de curso sobre o assunto. O anúncio dava um tema para ser desenvolvido em forma de roteiro. Meu trabalho foi selecionado entre 600 roteiros. Alguns de autores teatrais, pelo que soube. Desses 600, 30 fizeram nova prova. E apenas 12 começaram o curso, que era eliminatório. Durante três meses fui aluna. E no final, disputei a vaga com um rapaz. Apenas eu fui contratada. Estreei na novela Por Amor, colaborando com Manoel Carlos. Foi uma estréia luxuosa, em horário nobre. Manoel conheceu meu trabalho e me convidou. Disse que eu escrevia no estilo dele. E que tínhamos “química”. Gostava das novelas do Maneco e também do Gilberto Braga. São elas as minhas influências no texto.
02 - ESCREVER NOVELAS É UM TRABALHO ÁRDUO. AGUINALDO SILVA DIZ QUE É UM TRABALHO BRAÇAL. COMO SE DÁ O SEU PROCESSO DE CRIAÇÃO DE UMA TRAMA, DESDE O ARGUMENTO ATÉ A SINOPSE PRONTA?
Não existe uma fórmula. Cada autor tem seu método particular de desenvolver o trabalho. Não gosto de técnicas. Soa como algo sem vida. Vou pela intuição. A sinopse é o mais “chato” pois parece dizer que é uma obra já totalmente fechada, pensada. E novela alguma respeita 100% a sinopse. Ali contém a idéia base da trama. Mas só o dia a dia é capaz de ditar os reais rumos de cada situação e personagens. Abro o computador e deixo o texto fluir. Uma cena puxa a outra. Depois de uma semana, os personagens ganham vida e falam sozinhos. Eu apenas digito o que me sopram... Novela é uma tourada diária. Cansa mesmo. No fim de um capítulo, o autor está esgotado emocionalmente. Muito mais do que o aspecto físico. Dizem que escrever é 90% transpiração e 10% inspiração. Não chega a tanto. Mas é quase... Tem de ser criativo e coerente.
03 - QUAIS OS SEUS ÍDOLOS NA ÁREA DA TELEDRAMATURGIA? TEM ALGUM AUTOR COM QUEM VOCÊ GOSTARIA DE TRABALHAR?
Não tenho ídolos. Há autores cujo texto admiro. Gosto do trabalho de Maria Adelaide Amaral. É o melhor texto feminino da TV. É culta e coerente.
04 – COMO SE DEU SUA ENTRADA NA TELEVISÃO?
Estreei como repórter do Fantástico. Em seguida, fui deslocada para o Globo Esporte. Gosto de TV. Não saberia viver de outra maneira.
05 - VOCÊ ADAPTOU EM 2007 A NOVELA AMIGAS E RIVAIS, TRAMA MEXICANA, QUE FOI EXIBIDA NO SBT E NA QUAL HOUVE CORTES NA RETA FINAL. COMO VOCÊ LIDA COM ESSAS SITUAÇÕES E QUAL FOI A PIOR EXPERIÊNCIA, COMO AUTORA, QUE VOCÊ TEVE?
A novela Amigas e Rivais foi a maior alegria da minha carreira até aqui. Foi uma adaptação em que tive liberdade do meio em diante. No começo, só podia mudar os diálogos, sem tirar ou acrescentar cenas. Era muito tolhido. Impossibilitava a real adaptação ao Brasil. Infelizmente, houve um rompimento da Televisa com o SBT na reta final e isso fez com que a novela sofresse as conseqüências. Tivemos muitas mudanças de horário que nos prejudicaram. Mas faz parte. Hoje penso que a emissora está mais madura e não altera tanto os horários. É um avanço. Não tive experiências ruins. Tudo é válido.
06 - QUAL A NOVELA QUE VOCÊ GOSTARIA DE TER ESCRITO?
Dancin Days do Gilberto Braga.
07 - VOCÊ GOSTA DE FAZER ADAPTAÇÕES? QUAL VOCÊ AINDA TEM VONTADE DE FAZER?
Estou aberta a qualquer trabalho . Não tenho preconceito com adaptação. Sendo uma novela bacana é uma honra adaptar.
08 - O MERCADO DE TRABALHO PARA UM JOVEM ROTEIRISTA É UM DESAFIO. VOCÊ ACHA QUE HOUVE UMA MELHORA NESSE SETOR, COMPARADO AOS ANOS 90?
Ainda é complicado. Os novatos têm dificuldade em entrar no mercado. Ninguém em sã consciência entrega uma novela solo a um novato. São milhões ali investidos. O profissional deve ter consciência disso. Cada passo de uma vez.
09 - LETÍCIA, VOCÊ FOI COLABORADORA DE MANOEL CARLOS, EM POR AMOR, UM DOS MAIORES SUCESSOS DA DÉCADA DE 90. QUAL O MAIOR APRENDIZADO QUE VOCÊ TEVE, AO TRABALHAR COM UM DO MAIORES REFENCIAIS DA NOSSA TELEDRAMATURGIA?
Foi minha estréia em novelas. A convite do Maneco. Uma experiência profissional e de vida muito rica. Admiro o trabalho dele. Mas não gostaria de repetir essa experiência. Foi um rio que passou em minha vida.
10 - A REDE RECORD VOLTOU A INVESTIR EM TELEDRAMATURGIA DESDE 2004, COM “A ESCRAVA ISAURA” DE TIAGO SANTIAGO. COMO VOCÊ VÊ ESSA QUEBRA DO MONOPÓLIO DA TELEVISÃO BRASILEIRA, NÃO SÓ NA ÁREA DE TELEDRAMATURGIA?
Excelente para todos os profissionais e também para o público. O povo é apaixonado por dramaturgia. Além disso, é a maior fonte de recursos que a TV recebe. Não se pode ter apenas uma rede investindo em novelas. Ficamos reféns deles... É fundamental a concorrência.
11 - SEUS TEXTOS, NA MAIORIA DAS VEZES, PRIMAM PELO HUMOR. É UMA ÁREA QUE VOCÊ GOSTA MAIS DE TRABALHAR? VOCÊ PREFERE DRAMA OU COMÉDIA?
Novela tem de ter todos os ingredientes e o humor é um deles. Como os personagens ficam simpáticos ao público acabam se destacando. Mas não me considero especialista. Gosto da dramaturgia como um todo. O drama tem seu valor. O humor serve para a trama respirar. É o chamado COMIC RELIEF: a pausa para a respirada com o riso. Ninguém suportaria ver uma novela com 45 min diários de dramalhão. O riso faz a trama ganhar ritmo e fôlego. Dá tempo de o público acalmar o coração até o próximo drama.
12 - QUAL A DIFERENÇA ENTRE UM ROTEIRO DE NOVELA E DE UM PROGRAMA DE HUMOR?
Tudo é diferente. Não há nem como buscar diferenças. Teria de tentar achar alguma semelhança... O ritmo é outro, a seqüência de cenas é outra, a agilidade dos diálogos é outra...
13 - A MAIORIA DOS AUTORES, ESCREVE COM UMA EQUIPE. VOCÊ ESCREVE SOZINHA OU COM COLABORADORES?
Até hoje em meus trabalhos solo escrevi sozinha. Para mim é mais prático. Sou rápida e desenvolvo os capítulos na medida em que penso a trama. Abro o computador e deixo fluir.
14 - QUAL A MAIOR DIFICULDADE AO ADAPTAR UMA TRAMA MEXICANA?
A verba. A novela mexicana tem muitas viagens, muitos personagens, muita reviravolta. Para adaptar temos de cortar muito da trama original. Com isso, os fãs estranham um pouco. Além de algumas situações não serem críveis para a realidade brasileira. A cabeça do público é outra. Não se pode contar a história da mesma maneira.
15 - QUAIS OS ATORES COM QUEM VOCÊ SONHA EM TRABALHAR?
Com os bons e os ótimos. Os pingüins sem sal e os sem talento não me interessam.
16 – QUE CONSELHO VOCÊ DÁ PARA UM JOVEM QUE PENSA EM SE AVENTURAR PELA ÁREA DE ROTEIRISTA DE TV E CINEMA?
Escreva muito, leia muito, assista muitos filmes e novelas, observe o desenrolar do roteiro, a edição. Da observação vem a melhor escola.
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